quinta-feira, junho 28, 2012

Clorexidina e Cloro na lavanderia: O que acontece na realidade?


CLOREXIDINA E CLORO NA LAVANDERIA:
O QUE ACONTECE NA REALIDADE?
Prof. Roberto Farias[1]
Prof. Fabiano Alves[2]

Introdução

A clorexidina foi desenvolvida (1940) pela "Imperial Chemical Industries Ltd., Macclesfield, England". Como agente antiviral, fracassou, mas foi redescoberta, anos mais tarde, como agente antibacteriano.


Os sais originalmente produzidos (chlorhexidine acetate e chlorhexidine hydrochloride) apresentavam baixa solubilidade em água e foram substituídos pelo chlorhexidine digluconate ou digluconato de clorexidina (BARBIN, E. L, 2008).


O digluconato de clorexidina (CHX) é um antisséptico de comprovada eficácia antimicrobiana com aplicação terapêutica na odontologia; na assepsia de equipamentos, superfícies e mãos nas indústrias que manipulam produtos de origem animal; na limpeza de lentes de contato e nos procedimentos que exigem introdução de cateteres.


Seu uso exige monitoramento considerando a formação de derivados para-cloroanilinas (PCA), dotados de potencial cancerígeno /mutagênico.


A CHX é um sal cujo íon positivo é a clorexidina "C22H30Cl2N10" com massa molecular de 505,4460 g/mol, massa monoisotópica de 504,2032 Da (Dalton) e número de registro CAS "55-56-1". (YEUNG et al., 2007; WISHART et al., 2007; PUBCHEM, 2008). A estrutura química da CHX pode ser ilustrada na Figura 1.



Segundo Barsani, Fillery, Manek, Manzur (2007), Barbin (2008), a combinação da CHX com alguns tipos de produtos provocam reações que podem formar precipitados de variadas colorações - do branco ao âmbar – mediante o pH, temperatura e presença de alguns compostos químicos.


Dentres esses compostos que reagem com a clorexidina está o Hipoclorito de Sódio (NaOCl) largamente utilizado nos serviços de saude (higiene e limpeza) e lavagem de roupas (alvejamento e desinfecção química).


Na lavagem de roupa o NaOCl foi substituido pelo Peróxido de Hidrogênio (H2O2), com o objetivo de eliminar esses inconvenientes no enxoval, principalmente hospitalar.





O incomodo dessa substituição apresenta-se pelo maior preço do produto e a necessidade de temperatura elevada. Com relação ao meio ambiente é muito menos agressivo que o NaOCl.

Objetivos da pesquisa

Determinar a concentração mínima de NaOCl que provoca a mudança de cor, a formação de precipitado, caracterizar o precipitado resultante e identificar e conhecer os fatores dessa reação na roupa da hotelaria, serviços de saúde ou na lavanderia.

Método da pesquisa


A pesquisa é experimental, descritiva e elaborada em duas fases: a primeira, bibliográfia e documental com base no trabalho de Barsani, Fillery, Manek, Manzur (2007) que foi verificar a mistura simples da solução padrão de CHX sobre soluções de NaOCl e a segunda, realizada pelos autores, com tecidos embebidos com CHX e processados com soluções variáveis de NaOCl. Foi utlizada também uma solução de Hidróxido de Sódio (NaOH) como comparativo e associação da alcalinidade na reação.


As soluções atendem ao trabalho de Barsani (2007): CHX padrão a 2% v/v; NaOCl a 6% p/v e Manzur (2007): NaOH 10% e água destilada.

Desenvolvimento

Fase 1 (Barsani et al) – Resumo: 
       
           Selecionados 09 tubos com concentrações de NaOCl: 6,0%, 3,0%, 1,5%, 0,75%, 0,38%, 0,19%, 0,094%, 0,047% e 0,023%. Para determinar a concentração mínima de NaOCl em que a mudança de cor ocorreu, e um precipitado foi formado foi adicionado 0,5 ml de CHX a cada um dos 9 tubos contendo NaOCl conforme mostra a Figura 3 a seguir:
Figura 3. A concentração de NaOCl diminui de 6,0% (tubo 9) a 0,023% (a partir de tubo 9 à esquerda) e os tubos com NaOCl a 6% e CHX a 2%, respectivamente.

Resultados: Altera a cor e forma precipitados


A mudança de cor ocorreu em todos os tubos onde a CHX foi adicionada, incluindo o tubo com concentração mais baixa de NaOCl 0,023%. A cor variou e não se alterou com o tempo. A mais baixa concentração de NaOCl a induzir um precipitado foi de 0,19% (tubo 4). Com a alteração da cor, o precipitado ocorreu imediatamente e não mostrou nenhuma mudança com o tempo.


Fase 2 Resumo:

Selecionadas 6 peças de algodão (100%) que ficaram imersas na solução de CHX por 30 minutos e secos ao ar por 24 horas. Foi preparada as soluções de NaOCl nas concentrações de 1,50%, 1,20%, 0,90%, 0,60%, 0,30%, 0,10%. Os tecidos foram imersos por 20 minutos, retirados e lavados com água destilada e secos ao ar. Depois de secos foram imersos parcialmente nas soluções cloradas por 20 minutos.


A coloração ocorre quase que imediatamente e não sofre alteração depois de formada conforme mostra a figura 4 a seguir:


Figura 4. A coloração é maior com o aumento da concentração de NaOCl.



A solução, conforme trabalho de Barsani et al., também mostra precipitados com a mistura CHX e NaOCl conforme a figura 5 a seguir:

Figura 5. A formação do precipitado na solução de CHX e NaOCl.


A solução com menor concentração de NaOCl é mais laranja e a com maior concentração é mais clara, o que mostra que quanto maior a relação NaOCl na CHX maior a precipitação e a redução da cor da solução conforme mostra a Figura 6 a seguir:

Figura 6. A formação do precipitado na solução de CHX e NaOCl.



Pode-se concluir nessa fase que quanto maior a ocorrência dos precipitados maior é a coloração na roupa. A ocorrência dos precipitados pode sugerir que estes sejam o principal agente de coloração nas roupas nas lavanderias.


A literatura informa que, além do NaOCl, outros compostos provocam reações com a CHX e que podem colorir a superfície (nesse caso, a roupa) em diversos tons do branco ao amarelo claro. Fato verificado em algumas lavanderias que não utilizam cloro e descrevem o surgimento de “manchas” amareladas, mais fracas, porém de difícil remoção.


Algumas manchas podem ter origem na combinação do uso da CHX e do NaOCl utilizado na limpeza hospitalar, conforme menção feita num artigo anterior publicado na revista Anel 195 (set/out de 2010, p. 34 a 38). A ocorrência desse fato é possível, porém investigações mais aprofudadas devem ser realizadas para confirmar essa hipótese.


A reação CHX + NaOCl pode ser considerada como novo produto, agora sob a fórmula NaC6H4Cl.


Barbin (2008) afirma que a estrutura da CHX, meio alcalino e pH elevado (Hidróxido de Cálcio – Ca(OH)2), pode provocar precipitados e ser a causa da provável decomposição da CHX em radicais livres e PCA. Nas análises realizadas foi contatada que a solução de CHX isolada foi decomposta em diferentes subprodutos, inclusive em PCA.


Para verificar essa afirmação avançamos na pesquisa, porém substituindo o Ca(OH)2,  pelo NaOH que é utilizado nas formulações dos aditivos alcalinos.


Foi utilizada a CHX padrão e adicionado NaOH a 10% por gotejamento (1 ml por vez). Ocorreu a formação de precipitados de cor branca na solução.


A solução foi filtrada duas vezes em tecidos de algodão. 1ª reteve o precipitado. Em seguida a 2ª filtração noutra amostra de tecido. Os precipitados da 1ª filtração são brancos cristalinos. No tecido, reagem em presença do NaOCl conforme mostra a figura 7 a seguir:

Figura 7. A formação do precipitado na solução de CHX e NaOH e depois NaOCl.


Esse resultado direciona o precipitado como o agente que provoca a coloração na roupa em reação com o NaOCl.


Na 2ª filtração, (2ª amostra), com a solução sem os precipitados, é adicionado NaOCl a 10% 3ª amostra). A reação que ocorre no tecido é quase imperceptível. A coloração (âmbar) característica (CHX + NaOCl) aparece quando o NaOCl é adicionado diretamente sobre os precipitados conforme mostra a sequência da Figura 8 a seguir:


Figura 8. A formação do precipitado na solução de CHX e NaOH.


Esse resultado confirma o precipitado como agente que provoca a coloração na roupa em reação com o NaOCl. Esse precipitado, segundo a literatura pesquisada, contém PCA.

Caracterização do precipitado.

A PCA identificada no precipitado está diretamente relacionada à concentração de NaOCl e do NaOH utilizado na mistura.

Discussão / Conclusão:


Os resultados obtidos indicam que, quando misturado com o NaOCl ou outros compostos como o NaOH, a CHX torna-se hidrolisada em fragmentos menores, formando um novo subproduto. Supõe-se que estes fragmentos precipitados contém PCA.


A pesquisa conclui que o NaOCl, mesmo em baixas concentrações (0,023% ou  2,3 ml por quilo de roupa) na lavagem ou na água tratada (cloração não controlada) pode ocorrer a “coloração” na roupa. A reação deve ser evitada pela coloração na roupa e pela formação de derivados PCA, dotados de potencial cancerígeno /mutagênico.


A PCA não deve ser considerada como uma “mancha” já que é resultante da formação de um novo produto (CHX + NaOCl) de coloração âmbar. O que ocorre no tecido não é uma mancha, mas o tingimento pela “coloração” da PCA (considerada uma anilina), resultante dessa reação. Porém, o que pode ser novo é que o precipitado ocorre também na ausência do cloro.


Foi possível verificar a formação de precipitados brancos da PCA no meio alcalino e temperatura elevada, ou seja, ocorre também no processo de lavagem alcalina (pH alto e temperatura maior que 60/70ºC).


Portanto mesmo lavando sem NaOCl, esses precipitados não removidos podem provocar coloração com o Cloro residual de águas tratadas com cloro.


Como solucionar se pode ocorrer também com outros agentes de lavagem embora de forma menos agressiva?


A partir da identificação dos precipitados é possível avançar na pesquisa. Sugere-se maior investigação sobre o composto, já precipitado, na roupa.



Discussão / Conclusão:

A pesquisa teve por objetivo estudar o fenômeno da reação da CHX + NaOCl e outras influências que podem contribuir na formação da mancha na roupa no processo de lavagem.

De acordo com os resultados foi possível verificar:

a)    A CHX + NaOCl ou a CHX + outros compostos alcalinos (Ca(OH)2), (NaOH), forma fragmentos caracterizando um novo subproduto. Supõe-se que estes fragmentos precipitados contém PCA.

b)    A coloração da PCA é variável do branco (CHX + NaOH) ao âmbar (CHX + NaOCl).

c)    Não ocorre “uma mancha” no tecido, mas um tingimento devido a “coloração” da PCA (considerada uma anilina) pela mistura da CHX + NaOCl.

d)    A mistura da CHX + NaOCl, mesmo em baixas concentrações 0,023% ou 230 partes por milhão (ppm) ou  2,3 ml / kg de roupa, provoca a “coloração” na roupa.

e)    O excesso de residual de NaOCl na água tratada (supercloração), lavagem inadequada das caixas de água podem provocar a “coloração” na roupa na presença de CHX.

f)     O precipitado branco (CHX + NaOH) provoca a mancha, porém em menor intensidade de cor (levemente amarela). Podem ocorrer no processo de lavagem alcalina (pH alto e temperatura maior que 60/70ºC).

g)    Os precipitados brancos não removidos da roupa podem provocar coloração posterior se em contato com NaOCl.

Algumas hipóteses ainda carecem de respostas científicas. Tudo é muito novo para o setor de lavanderias. No passado recente, o mercado alegava que as manchas eram provocadas na lavanderia. Em seguida surge a afirmação de que a “mancha” é uma “tintura”.

Esse pesquisa pode afirmar que a “tintura” é um subproduto (PCA) formado pela reação CHX + NaOCl e que pode ser o responsável por esse fenômeno.

O que se pode afirmar, com base nessa pesquisa é que: O uso da CHX trouxe benefícios ao serviço de saúde (menor custo) e para lavanderia, a imposição pelo uso do Peróxido de Hidrogênio (H2O2) (maior custo). A necessidade de reajuste no preço cobrado é evidente e não significa falha na gestão da lavanderia.

A comunicação Ética (transparência e clareza) entre a lavanderia e o hospital pode reduzir os índices de manchas. Os hospitais devem informar que tipos de peças podem conter CHX a lavanderia não pode utilizar o NaOCl. 

A falha na comunicação pode comprometer os resultados e a culpa da “coloração” passa a ser totalmente do serviço de saúde e não da lavanderia.

Avançar ainda mais nas pesquisas é necessário, principalmente quando existe a sugestão de que a reação CHX + NaOCl e Outros deve ser evitada por causa da formação de derivados PCA, dotados de potencial cancerígeno /mutagênico. Sugere-se maior investigação sobre o composto, já precipitado, na roupa.

Na lavagem de roupa outras respostas merecem pesquisas com afinidade na metodologia científica para suprir as questões: Como evitar as manchas utilizado o NaOCl? Qual a desvantagem de não utilizar o Peróxido de Hidrogênio (H2O2)?

Qual impacto ambiental maior: a temperatura necessária para o H2O2 ou a adição de compostos clorados no Ambiente? Como evitar o precipitado na lavagem? Quais os riscos desses precipitados para os operadores e usuários? É possível classificar a roupa hospitalar “com e sem” CHX?

O mercado de químicos fala de produtos inibidores / neutralizadores da CHX e recomenda a aplicação do NaOCl no processo de alvejamento / desinfecção. Vale a pena avançar nesse processo? Quais as vantagens? E os riscos? Qual é a economia? Qual o impacto ambiental?

Qualquer procedimento considerado “novo” deve ser avaliado sobre 04 (quatro) aspectos: O Homem (Custo da Satisfação), o Econômico (Custo da Escassez), Financeiro (Custo do Benefício) e Ambiental (Custo Social). Inovações que não atendam a esses pré-requisitos são consideradas inúteis, segundo Schumpeter.

A lavanderia precisa avançar em conhecimento, todo o seu ambiente externo mudou. A estática gera a entropia, tende ao canibalismo e o desaparecimento precoce.



[1] Autor dos livros manual de segurança na higiene e limpeza (2011), manual para lavanderias (2006), Prof. Faculdade Hotec, Coordenador da Faculdade NSL, e do Curso de Técnico em Lavanderia. Administrador Hospitalar.
[2] Doutor em Engenharia Química, Prof. Faculdades Oswaldo Cruz, Diretor Técnico da CMA Especialidades Química.



Referências
BARBIN, E. L. Análise química da clorexidina misturada ou não ao hidróxido de cálcio. 2008. 116 p. Tese (Doutorado) - Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2008.  http://www.forp.usp.br/restauradora/Teses/Barbin/doutorado_barbin.pdf
BARSANI,Bettina R. DDS, Sheela Manek, BSc, Rana NS Sodhi, PhD, Edward Fillery, BSc, PhD, e Aldo Manzur, DDS, MSc Universidade de Toronto, Faculdade de Odontologia, 124 Edward Street # 348C, Toronto, ON, Canadá M5G 1G6.
CHHABRA RS, Huff JE, Haseman JK, Elwell MR, Peters AC. Carcinogenicidade de p-cloroanilinaem ratos e camundongos. Food Chem Toxicol 1991; 29:119 -24.
FESSENDEN R, Fessenden J. Química Orgânica. Boston: Willard Grant Press; 1997.
GOODALL R, Goldman J, Woods J. Estabilidade de soluções de clorexidina. Pharm J1968; 13:33 - 4.
HEARD DD, Ashworth RW. As propriedades coloidais de clorexidina e de sua integraçãocom algumas macromoléculas. J Pharm Pharmac 1968, 20, 505-12.
PUBCHEM. Pubchem substance database. 2012. http://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/.
SCHUMPETER, J. (1950) Capitalism, Socialism, and Democracy, 3rd edition, Harper and Row, New York, 1950
YÜCEL, a. ç.; aksoy, a.; ertas, e.; güvenç, d. The pH changes of calcium hydroxide mixed with six different vehicles. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod, v.103, p. 712-7, 2007.

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