XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção
Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002
ENEGEP 2002 ABEPRO 1
INTERVENÇÃO ERGONÔMICA EM SERVIÇO DE PROCESSAMENTO DE ROUPAS DE UM HOSPITAL SOB ENFOQUE PARTICIPATIVO
Lia Buarque de Macedo Guimarães, Ph.D, CPE
Júlio Carlos de Souza van der Linden, M. Eng.
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção/UFRGS
Praça Argentina, 9, Sala LOPP 90040.020 – Porto Alegre, RS
1. INTRODUÇÃO
A lavanderia tem uma importante função no desenvolvimento das atividades de um hospital.
Trata-se de um setor de apoio cujo papel é, por vezes, subestimado pela alta administração, mas que afeta as atividades de todas as demais áreas. Cirurgias, internações, procedimentos ambulatoriais, entre outros, são fortemente dependentes do correto desempenho dos processos das lavanderias hospitalares. Atrasos na reposição do enxoval, por exemplo, podem gerar sérios transtornos no atendimento às demandas das diversas unidades do hospital, com o não cumprimento de atividades programadas.
Do ponto de vista do gerenciamento de riscos hospitalar, as lavanderias constituem-se em um sério problema. Não atingem diretamente o paciente, a não ser raros casos, mas podem representar sério risco para os seus funcionários.
Nas classificações de risco, são consideradas áreas críticas, por oferecerem risco potencial aos funcionários, devido à manipulação de materiais infectantes, realizadas, freqüentemente, sem os devidos cuidados. A qualidade de uma lavanderia hospitalar, portanto, implica em dimensões diversas daquelas presentes em uma lavanderia comum.
Enquanto nessa a qualidade está relacionada ao produto final e ao prazo, no hospital a componente segurança tem um forte peso.
Com base nessas considerações, este artigo apresenta parte de uma intervenção ergonômica realizada junto ao Serviço de Processamento de Roupas de um hospital em Porto Alegre, referente à Área Suja. Nesse trabalho, foram identificadas as demandas dos funcionários do setor e discutidas, com estes, algumas alternativas de melhorias.
2. SERVIÇO DE PROCESSAMENTO DE ROUPAS
Este serviço é o responsável pelo fornecimento e pela manutenção de roupas utilizadas por pacientes internados e por médicos, enfermeiras e auxiliares em áreas de acesso restrito, como o Bloco Cirúrgico, entre outras. Está constituído pelos seguintes setores: Rouparia, Lavanderia e Costura. O setor de Rouparia é o responsável pela distribuição das roupas limpas e pelo recolhimento das roupas sujas. O setor de Costura é responsável pela confecção e manutenção de todo o enxoval. A Lavanderia por sua vez está subdividida em Área Suja e Área Limpa, segundo procedimentos determinados pela legislação vigente (BARTOLOMEU, 1998).
Essas áreas estão localizadas em um pavilhão isolado da estrutura principal do hospital. O seu leiaute está apresentado de forma esquemática na Figura 1. A Figura 2 e a Figura 3 apresentam os fluxogramas do processamento da roupa nas Área Suja e na Área Limpa, respectivamente.
Figura 1 Leiaute da lavanderia
A Área Suja recebe as roupas da Rouparia, por meio de um reboque no qual são transportados os hampers (sacos especiais para o transporte de roupas). Os hampers são separados quanto à sujidade. Após a separação, são pesadas novamente para completar a carga de uma máquina. Não é possível lavar as roupas separadas por tipo em função das cargas mínimas para cada máquina, levando a formar lotes por sujidade.
Figura 2 Fluxograma do processamento da roupa na Área Suja
Na Área Limpa, é realizado o processamento da roupa lavada, implicando em: selecionar (por tipo), secar, passar (se for o caso), dobrar e acondicionar para distribuição. O trabalho é realizado com a adoção de uma escala rotativa, pela qual todos os funcionários deveriam trabalhar um dia em cada posto. Com a adoção do princípio de que as mulheres não devem trabalhar nos postos que apresentam maior exigência de força, o posto de descarga da máquina de lavar é a única exceção, sendo o trabalho executado apenas por homens. Por seu lado, os homens trabalham em todos os postos.
Figura 3 Fluxograma do processamento da roupa na Área Limpa
3. APRECIAÇÃO ERGONÔMICA
O levantamento da situação de trabalho na lavanderia foi realizado com a participação direta e indireta dos usuários conforme proposto pela Análise Macroergonômica do Trabalho – AMT
(Guimarães, 1999). A fase de apreciação congrega a identificação da demanda a partir de informações coletadas junto aos usuários. Pode ser considerada a etapa mais decisiva do processo projetual já que é com base no levantamento inicial realizado que se definem as linhas de projeto a seguir.
Apesar de ser sempre possível reavaliar as iniciativas tomadas durante um projeto, é com base em um levantamento sólido da demanda que se pode projetar soluções mais adaptadas aos usuários. Na AMT, a identificação das necessidades ou definição da demanda dos usuários segue as três primeiras etapas do método de Design Macroergonômico (DM proposto por Fogliatto & Guimarães, 1999): 1) Identificação do usuário e coleta organizada de informações; 2) Priorização dos Itens de Demanda Ergonômica (IDEs) identificados pelo usuário; e 3) Incorporação da opinião de especialistas.
Uma vez identificado o usuário, as informações são coletadas ouvindo-se a voz do usuário por meio de entrevistas não induzidas e questionários. Com base na observação do desempenho do usuário, o projetista pode agregar mais itens de demanda que porventura não tenham sido expressos pelo usuário mas que também devem ser considerados em um projeto. As necessidades dos usuários são traduzidas como os itens que devem compor um produto e, no DM, são denominados Itens de Demanda Ergonômica (IDE). Para transformar esta demanda em uma solução projetual, o que ocorre na fase de proposição de soluções, a equipe de ergonomistas deve elencar os itens projetuais (ou elementos de projeto), denominados Itens de Design (IDs), que podem atender aos IDEs. Em função de sua complexidade, um IDE pode exigir maior ou menor número de IDs.
Neste projeto, ao invés do projetista elencar os IDs, foi discutido junto com os usuários, algumas alternativas de melhorias para a Área Suja. A forma de atuação participativa é explicitada a seguir.
Identificação da demanda dos funcionários
O levantamento da demanda dos funcionários do Serviço de Processamento de Roupas foi feito com base em entrevistas realizadas com uma amostra de aproximadamente 30% dos funcionários, das três áreas. No caso da Área Suja, as entrevistas foram realizadas individualmente, em uma sala na área administrativa. Foram gravadas e posteriormente transcritas por um dos pesquisadores presentes à sessão de entrevistas.
Tabela 1 Total de funcionários e número de funcionários entrevistados por área
A partir das informações obtidas com as entrevistas, e de observações assistemáticas realizadas pelos pesquisadores no transcorrer das visitas ao local, foram elaboradas questões específicas para cada área. Além disso, os questionários foram complementados com questões relativas a aspectos gerais, como ocorrência de dores, uniformes e percepção sobre o trabalho Os questionários foram distribuídos para os funcionários após rápida reunião onde foi explicado o seu preenchimento. O recolhimento foi feito após três dias, tempo suficiente para o seu preenchimento.
Tabela 2 Distribuição de questionários na Área Limpa
Os questionários foram tabulados em uma planilha Microsoft Excel, sendo extraídas as médias e desvio-padrão para cada questão (IDE). Os resultados para a Área Suja são apresentados na Tabela 3
Conforme o método AMT prevê, foi feito o retorno dos resultados dos questionários aos funcionários, para a discussão de seus resultados e a priorização de melhorias. A reunião na Área Suja foi realizada no refeitório. Estavam presentes os pesquisadores, representantes do Serviço de Medicina Ocupacional além de toda a equipe e os supervisores. Após a apresentação dos resultados, foram estabelecidas as prioridades e geradas propostas de solução para alguns pontos.
Ao final da reunião, as soluções propostas foram organizadas conforme a Figura 4.
Figura 4 Sumário das soluções propostas e comentários
As propostas geradas nessa reunião foram incorporadas ao relatório do projeto e encaminhadas à administração do hospital. A partir desta etapa, o trabalho esteve interrompido por período durante o qual a instituição avaliou as possibilidades de melhorias, em função dos recursos disponíveis e dos impactos na organização. No momento em que foi retomado o trabalho, foi estabelecida como prioridade para a Área Suja a elevação da área de trabalho para um nível compatível com as recomendações biomecânicas e as necessidades e restrições do processo. Dentro do enfoque participativo do estudo, foi marcada uma reunião para discutir as possibilidades de mudança.
A pauta da reunião foi centrada na discussão de propostas para o processo de recepção dos
hampers, seleção da roupa e alimentação das máquinas de lavar. O tema da reunião foi apresentado pela supervisora, que enfatizou a necessidade de gerar propostas que atendam às necessidades e expectativas dos funcionários. A reunião foi iniciada com comentários dos funcionários:
• “O que mais cansa é a separação”
• “Estamos mal de balança”
• “Até as 7 horas carrega-se todas as máquinas, aí ficam as pilhas em frentes às máquinas”.
• “Só uma mesa não resolveria. Teria que descarregar o reboque, colocar na mesa, retirar das mesas e colocar no chão”
• “O trabalho na mesa não causaria novos problemas, com a elevação dos ombros?”
Com base nesses comentários, a reunião foi conduzida para a geração de sugestões de melhorias. Adotou-se como premissa que o trabalho deveria passar a ser realizado sobre uma mesa ou bancada. Ao longo da reunião foram propostos conceitos para redesenhar todo o processo, considerando o impacto nas áreas anterior (Rouparia) e posterior (Área Limpa).
Foram apresentadas sugestões para os seguintes pontos de discussão: descarga do reboque, pesagem do hamper, espera do hamper, seleção da roupa, pesagem da roupa selecionada:, transporte para as lavadoras e espera da roupa. Embora estejam baseadas em três diferentes conceitos, representados pelas alternativas denominadas “a”, “b” e “c”, as sugestões são inter-relacionadas, como pode ser visto na Figura 5.
Figura 5 Resumo das propostas
A partir das sugestões dos funcionários, procedeu-se à geração de desenhos que permitissem a avaliação das alternativas por todos os presentes. Essa decisão, embora tenha resultado em perda na qualidade formal dos desenhos, permitiu ainda que a avaliação das alternativas fosse realizada in loco. Dessa forma, evitou-se também a necessidade de outra reunião, o que poderia implicar no risco de redução da mobilização dos funcionários.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As soluções de melhorias propostas para a Área Suja da lavanderia do Hospital ainda não foram implementadas e, portanto, não se pôde avaliar nenhuma das alternativas propostas.
No entanto, pode-se concluir que o mais importante deste trabalho foi a interação com os usuários desde a fase de identificação de demanda até a projetação. Os trabalhadores da lavanderia mostraram-se entusiasmados com o projeto, tendo inclusive muitas vezes comentado que “...mesmo que nada seja feito, já valeu ...” em função do crédito que foi dado às opiniões por eles formuladas.
Projetos de cunho participativo, apesar de valorizados na literatura em ergonomia (Brown, 1995), têm sido pouco desenvolvidos porque, comparados com projetos não participativos, envolvem uma carga emocional e física maior por parte do projetista, além de requerer um tempo maior de desenvolvimento. A experiência com esta abordagem, no entanto, mostra que os esforços são compensados no final, pois a participação dos usuários tende a minimizar erros de projeto e facilita a aceitação das propostas implementadas.
5. REFERÊNCIAS
FOGLIATTO, F. S. & GUIMARÃES, L.B. de M. (1999). Design Macroergonômica: uma proposta metodológica para projetos de produto. Produto & Produção 3(3) 1-15.
GUIMARÃES, L.B.M. (1999) Abordagem Ergonômica:Análise Macroergonômica do Trabalho - AMT. In: Ergonomia de Processo, v. 1. Porto Alegre: PPGEP/UFRGS (Série monográfica
Ergonomia).
BARTOLOMEU, Tereza Angélica. Identificação e avaliação dos principais fatores que determinam a qualidade de uma lavanderia hospitalar. Dissertação de mestrado em Engenharia pela Universidade Federal de Santa Catarina, 1998. Documento da Internet capturado em 05/02/2002 disponível em http://www.eps.ufsc.br/disserta98/angelica/index.htm.
BROWN, O. Jr. The Development and Domain of Participatory Ergonomics. In: IEA WORLD
CONFERENCE 1995 and BRAZILIAN ERGONOMICS CONGRESS, 7, Rio de Janeiro.
Proceedings ... Rio de Janeiro: ABERGO, 1995. p. 28-31.
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